Um processo na Inquisição: o caso de Inês Nunes

Quando, em 1618, os Inquisidores visitaram Belmonte, as denúncias de pessoas vizinhas ou próximas não demoraram: Jerónimo Nunes e a sua família foram acusados de práticas "judaizantes". Em fevereiro de 1619, com apenas 14 ou 15 anos, Inês seria presa juntamente com outros familiares e encaminhada para Lisboa. Serão condenados a abjurar, sofrendo apenas o confisco de alguns bens e obrigados a usar hábito penitencial, a ir à missa e assistir às pregações aos domingos e dias santos, a confessarem-se nas festas do ano, jejuar todos os sábados, rezar o rosário de Nossa Senhora e afastarem-se da "gente de nação" (judeus). Muitos anos depois, em outubro de 1663, Inês será novamente presa e enviada para Coimbra. O interrogatório iria desenrolar-se no dia 6 de junho de 1664:

Inquisidor: Se cuidou nas suas culpas e as quer confessar.
Inês: Não tem culpas para confessar.
Inquisidor: Se estaria lembrada que todas as vezes que ali esteve jurou, pelos santos evangelhos, dizer a verdade.
Inês: Sim.
Inquisidor: Se sabe que quem jura verdade sobre os evangelhos e mente incorre em grande culpa e pecado.
Inês: Sim.
Inquisidor: Se depois de reconciliada pela Inquisição de Lisboa se passou novamente para a Lei de Moisés.
Inês: Não, não fez tal coisa.
Inquisidor: Se rezou orações judaicas ou salmos de David sem gloria patri.
Inês: Não.
Inquisidor: Se guarda os sábados, se veste neles camisas lavadas, se faz as limpezas às sextas-feiras e se nelas põe novas nos candeeiros.
Inês: Nunca fez tal coisa depois da sua reconciliação.
Inquisidor: Se guarda a Páscoa dos judeus e a Festa das Cabanas.
Inês: Não.
Inquisidor: Se faz jejuns judaicos às segundas e quintas-feiras, ou o da Rainha Ester ou o do Dia Grande.
Inês: Depois da reconciliação, não.
Inquisidor: Se quando alguma pessoa morria na sua casa ou na vizinhança mandava lançar fora a água dos cântaros.
Inês: Não.
Inquisidor: Se amortalhava os defuntos em mortalha nova e os enterrava em terra virgem e covas fundas.
Inês: Não.
Inquisidor: Se comia carne de porco, coelho, lebre ou peixe sem escama.
Inês: Sim, quando as tinha.
Inquisidor: Se sangrava a carne e lhe tirava as gorduras.
Inês: Não.
Inquisidor: Se nas noites de Natal e S. Jorge atirava para os cântaros da água de beber brasas acesas ou miolos de pão.
Inês: Não.
Inquisidor: Se quando amassava pão lançava no fogo pedaços de massa.
Inês: Não.
Inquisidor: Se quando abençoava os filhos, afilhados ou gente de sua obrigação passava a mão aberta sobre o rosto até ao peito nomeando Abraão, Isaac e Jacob, como os judeus.
Inês: Nunca fizera tal coisa.

Após as diligências necessárias, os Inquisidores consideraram Inês relapsa, negativa, convicta, pertinaz e impenitente. Entregue à justiça secular morreria na fogueira, em auto-de-fé, a 26 de outubro de 1664.

Fonte: PÁSCOA, Marta - Os processos de Jerónimo e Inês Nunes. Algumas pistas para o estudo dos processos inquisitoriais de cristãos-novos, in "Estudos em homenagem a João Francisco Marques", volume II, Faculdade de Letras da Universidade do Porto. 


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